Relembro todos estes anos sem ti, anos perdidos. Acho que merecia um bocado de consideração já que sou tudo para ti, como me dizes com o tom de voz mais acolhedor e reconfortante que tive o privilégio de escutar. Desde pequena me habituei a que a demonstração do teu amor por mim se resumisse a palavras sem folgo, palavras das quais não retiro nada, a não ser meros versos que façam vibrar a melodia que tu acolhes com prazer. Já eu rejeito-me a escutar e decorar as pautas dessa melodia, rejeito-me a oscilar enquanto te debruças sobre mim vagarosamente dizendo-me que sou tua menina. E permaneço em mim, longe dos teus encantos melódicos, concentrando-me apenas nas pausas dessas notas musicais, de onde resultam os actos fracos e mirabolantes de um homem que está perdido no mundo.
Acho-te piada, acho-te piada a ti e acho-me com piada também. Por ambos demonstrarmos tal desinteresse em mostrar o que sentimos um pelo outro. Sei bem que esse sentimento é recíproco e essa certeza já ninguém ma pode retirar. Mas então surgem as dúvidas, dúvidas de relance que à distância são indetectáveis, dúvidas de gestos que estão por explicar e dúvidas que ainda estão para surgir neste nosso confronto amigável completamente imundo de pautas sarcásticas. E para quê inundá-las de tal sujidade permanente? E para quê tentar esconder gestos que estão à vista dos cegos com vontade de ver? Para nada. Não há objecção viável, os teus actos são completamente indignos.
Eu ainda tento escutar a melodia e responder que sim, oscilando com as cordas esgotadas de tal som repetitivo. Afinal a única coisa que eu te pedia nem era uma melodia composta por pautas sarcásticas que ficassem no ouvido, a única melodia que eu te pedi foi a melodia do teu amor por mim, melodia que não fica no ouvido, melodia que fica no coração. Melodia que é composta em pautas reluzentes, melodia que não se deixa envolver em vocábulos estonteantes e salientes, melodia que já está instruída desde o dia em que nasci e que tens dificuldade em tocar. Não é pedir muito que mostres um pouco desse teu talento, afinal, tu já sabes a música à treze anos e nunca a exibiste? Apenas te peço que largues essa música entusiasmante e sarcástica. Canta-me aquela que só tu sabes cantar, canta-me ao ouvido, como se fosse um segredo, eu prometo não vacilar.
Quando eu era pequenina pedi-te um rádio da barbie para cantar, eu esperava lá encontrar o segredo da canção, mas eu não o encontrei e foi então que entendi que não há sigilo para a melodia, desde que ela seja cantada com alma e coração, coisa que tu não soubeste fazer. Estou fatigada de ofuscar a realidade dizendo-te que sim com as cordas já cansadas da melodia e eu hoje vou-te dizer exibindo pela primeira vez, com as cordas reluzentes e serenas que tudo o que me tens dado não é nada do que eu queria. Eu pedi-te amor e deste-me melodia.
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